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domingo, 11 de novembro de 2018

A hora de parar Deus avisa


Hoje à tarde, logo depois da minha sesta, em inusitado arroubo de autocrítica levantei pensando:  ― “Ando muito preguiçoso, há quanto tempo não faço uma postagem no meu blog Ler e Reler”. Minhas coisas pararam no tempo. Não tenho ido ao clube para jogar sinuca, não telefono para meus amigos, nem vou mais ao futebol como fiz durante tantos anos, nem navego no Facebook com a regularidade esperada pelos meus amigos e familiares. Nada, nada. Será que morri e não me avisaram? Dei uma beliscada na cara, vi que doeu, continuei pensando: Tenho que fazer alguma coisa. Não posso ficar a espera de alguém para me carregar no colo. Quando estava no auge desses pensamentos lembrei-me de que tenho mais de 92 anos e nem consegui renovar minha carta de motorista porque meu cérebro também está pensando em se aposentar. Olhei para o relógio e vi que era hora da sesta. Fiz como quem pede para ir lá fora, saí de fininho e fui para o meu quarto. Mas não conseguia dormir... De repente minha esposa entrou no quarto e perguntou: “Que qué isso, meu? Vai trabalhar um pouco que isso passa. Eu trabalho o dia inteiro, faço ginástica, pajeio vocês, cuido da cozinha, dos netos, tenho tempo para aguar as minhas plantas, e não fico por aí pedindo para o dia terminar logo...”. Fingi que não tinha escutado nada e fiquei quieto. De repente ouvi um barulho de papéis rasgados, rac, rac, rac. Dei uma virada de leve embaixo das cobertas, mas não adiantou...
Depois de uma pausa, um suave e prolongado barulho de abrir e fechar gavetas. Parecia uma orquestra em suas variações melódicas. Virei de novo para o outro lado, mas o abre e fecha ainda demorou bastante. Quando pensei que ela houvesse desistido escutei o barulho da torneira do banheiro jorrando água.
Continuei fingindo de morto, ela pensou que eu estivesse dormindo e foi embora. Pensei comigo: “Só pode ser inveja”. Dei um tempo. Nem muito que “pudesse parecer subserviência”, nem tão pouco que pudesse parecer “autoritarismo”, como se diz nos quartéis.
Levantei rápido, tomei banho, vesti minha roupa de briga, coloquei no rosto meu melhor sorriso e fui em direção à cozinha: Encarei minha esposa. E com um olhar lambuzado de carinho e compreensão dei-lhe um abraço apertado e disse:  ―”Uma das melhores coisas que temos ainda é a democracia. Cada um faz o que gosta de fazer, desde que não prejudique ninguém. Você gosta de trabalhar. Eu gosto de espreguiçar. Ela abriu um sorriso de quem ainda não está com o dia ganho, foi se desvencilhando de mim e disse: “Isso sim, é que é vida! hein, companheiro”.
Concordei com leve sorriso, puxei uma cadeira e sentei para tomar o café. Depois dei uma lida apressada nas manchetes do jornal e saí para regar o jardim. Deus avisa a hora de parar.